Preferia brincar sozinho
Sempre fui um rapaz muito reservado e introvertido. Preferia brincar sozinho do que com os meus amigos ou colegas da escola porque eu não tinha as mesmas brincadeiras que eles. Divertia-me mais sozinho quando dava largas à minha imaginação e inventava histórias na minha cabeça com personagens que eu criava, onde seria sempre eu o personagem principal da trama, e dava-lhes voz. Por isso mesmo é que muitas pessoas diziam que eu não era um rapaz normal, era um ser humano esquisito que se infiltrava no mato e falava com as árvores.
Eu mesmo tinha essa perceção mas era algo que não conseguia controlar. Ainda hoje dou por mim, inconscientemente, a inventar cenários e situações (principalmente quando estou a conduzir) onde me perco totalmente nos pensamentos enquanto a vida se desenrola lá fora, do outro lado do meu mundo imaginário.
- Ouviste o que eu te disse? - pergunta a minha mãe.
Não, não ouvi nada! Fico completamente abstraído. Impressionante, não é?
Bem, voltando então à minha infância, uma professora e diretora de turma apercebeu-se de que eu não convivia com os meus outros colegas e não tinha brincadeiras consideradas normais para um rapaz da minha idade.
Claro que como docente, ela teve que tomar uma atitude em relação ao assunto. Chamou a minha mãe à escola e disse-lhe que eu iria começar a ter consultas de psicologia. Foi como se o mundo se tivesse aberto debaixo dos nossos pés e estivéssemos a cair naquele buraco sem fundo. Eu iria ter consultas com uma psicóloga?! Porquê?! "Eu não estou maluco" - dizia. A minha mãe ficou cheia de medo que ela fosse considerada incapaz (ou má mãe) por não conseguir lidar com um rapaz na minha condição mental, temeu muito que eu fosse institucionalizado e pediu-me tantas vezes que não brincasse mais sozinho. Estávamos no ano de 2001, não havia acesso a tanta informação como há agora, não a condenem!
Senti-me injustiçado, incompreendido, revoltado mesmo. Comecei a sentir rancor pela diretora de turma, que fosse ela ao psicólogo e que me deixasse em paz! De nada adiantou, fui mesmo obrigado a ir.
O resto, contarei mais tarde.
Engraçado que ao dar início a este texto, ia falar de um assunto completamente diferente, mas a minha cabeça e os meus dedos ágeis levaram-me a escrever isto. Totalmente genuíno.