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Milorde

Milorde indeciso

Milorde, 25.09.21

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Ontem foi o dia dos abraços, das palmadinhas nas costas, dos presentes, da simpatia! Não me recordo de ver os candidatos a eleições tão atenciosos e tão simpáticos com os plebeus, foi de uma emoção tamanha que encheu o meu coração de alegria... só que não! Recebi canetas, lápis de carvão, lápis de cor, um saco para o pão e um frasco de álcool gel. Pensava eu que tinha dormido imenso e acordei já no natal, tal era a bondade!

Américo Tomás, o atual presidente de Barbalimpa, abordou-me na rua logo no momento em que ia começar a minha caminhada, dizendo-me que era mesmo comigo que queria falar como se o assunto fosse uma urgência onde nos dão uma pulseira vermelha para entrada imediata, perguntando-me o que tinha realmente acontecido à dias atrás num acidente de viação por causa de um buraco na estrada, perto da minha mansão. Após a conversa sobre o incidente, o senhor presidente disse-me que domingo há eleições (como se eu não soubesse) e que contava com a minha presença e com o meu voto com consciência!

- Vote com consciência, Milorde. O nosso partido já está cá há 18 anos consecutivos, desde o meu tio, e não queremos parar!

Já à noite, quando já tinha o meu pijama de cetim vestido e estava a assistir netflix, alguém bateu à minha porta com tanta força que pensei que alguém estava a morrer. Anacleto da Silva, o outro candidato, apareceu-me à porta de braços abertos e a máscara abaixo do nariz apelando também ao meu voto, que precisamos de mudança, já chega de socialismo! Viva o PSD, viva!

- Agora vou comer que estou cheio de fome! - Disse-me ele e desapareceu tão depressa como tinha aparecido.

E agora? Estou tão indeciso em quem votar! Será que se eu fizer o pim pam pum entre eles é válido?

 

 

O Presidente

Milorde, 26.10.19

Hoje recebi a visita do Presidente da Junta, Américo Tomás. Nunca antes o Sr. Presidente pôs os pés na minha humilde mansão mas hoje, sem que nada o previsse, fez soar a sineta que tenho junto ao portão. A Maria veio a correr, atrapalhando a minha leitura, e sussurrou-me que quem tinha tocado a sineta era nada mais nada menos que o nosso Presidente acompanhado da sua esposa. Ordenei-a que os fosse receber e os convidasse para entrar, oferecendo-lhes uma chávena de chá, enquanto eu iria trocar de roupa.

Sebastião estava a dormir e eu fechei a porta do seu quarto para que ninguém ouvisse os seus roncos. Quando desci, deparei-me com a Maria sentada no sofá em frente deles pedindo-lhes ajuda pois agora estava separada do marido e ele não a ajudava em nada. Mandei-a para a cozinha e cumprimentei os meus convidados com pompa e circunstância como o momento assim o exigia. O Sr. Presidente apertou-me a mão com força e deu-me uma palmadinha no braço como se fossemos velhos conhecidos. A sua esposa simplesmente acenou-me com a cabeça e fez um leve sorriso. Perguntei-lhes em que os poderia ajudar.

- Milord, desculpe-nos a ousadia de o visitar sem sermos devidamente convidados mas creio que temos um assunto a tratar que será positivo para ambas as partes.

A sua esposa continuava a acenar com a cabeça e eu tive que resistir ao impulso de lhe perguntar se ela sofria de parkinson.

- Sou todo ouvidos senhor Presidente.

Ele refletiu por momentos antes de voltar a falar, olhando para cima como se as suas palavras pairassem por ali no ar.

- Soubemos que Milord iria receber uma visita muito especial de uma Condessa - acrescentou.

- As notícias correm depressa, senhor. Até aposto quem foi que lhe disse - só poderia ser a Aurora do minimercado.

- Oh não leve a mal. Sabe que vivemos numa aldeia pequena e tudo se sabe...

- Compreendo.

- Bem, adiante. Quando soubemos dessa notícia, eu e a minha Lulu, decidimos que tal acontecimento não poderia passar em branco, se é que me entende. Vamos organizar uma festa de boas vindas para a Condessa! Tudo pago pela presidência claro está, Milord não terá de se preocupar com nada, é só comparecer com a Condessa e a sua... família?... as pessoas que habitam aqui consigo.

De repente, um largo sorriso se apoderou de mim.

- Mas isso é uma excelente ideia! Obrigado pela atenção senhor Presidente.

- Oh de nada! Será um prazer.

Depois de decidirmos alguns aspetos importantes, levantei-me para dar a conversa por terminada. Eles fizeram o mesmo. Voltou a dar-me o mesmo aperto de mão vigoroso e a sua esposa, Lulu, o mesmo aceno de cabeça e aquele sorriso artificial que me estava a dar cabo dos nervos. Saíram da minha mansão sem mais uma palavra mas, já quase a chegar ao portão, o senhor Presidente virou-se para trás e disse:

- Ah! E não se esqueça de mim nas próximas eleições!

Claro.