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Era um jovem adulto quando tive um pesadelo tão medonho que me deixou com medo de dormir. Deitava-me a pensar que quando adormecesse tivesse um outro pesadelo que me fizesse acordar com o coração a bater a mil pulsações e, então, esse receio impedia-me de adormecer. Junto com esse receio o meu cérebro criou uma espécie de tormento em relação ao ato de dormir, comecei a pensar que quando dormimos é como se deixássemos de existir neste mundo, que podia mesmo não voltar a acordar, fiquei completamente apavorado com essa ideia que recusava-me mesmo a fechar os olhos.
A minha mãe quando descobriu este meu medo, obviamente que ficou bastante preocupada com o meu estado de saúde e quando o comentou com uma vizinha nossa na altura, a senhora disse:
- Não se preocupe. O seu filho precisa de ir ver uma senhora que eu conheço que tem morada aberta. Ela faz-lhe umas benzas e de certeza que depois disso ele vai dormir melhor.
Sabem que na altura a doença mental era algo do qual não se falava. Quem visitava um psiquiatra ou até mesmo um psicólogo eram os malucos e como eu não era maculo - e também porque jamais aceitaria me consultar com um médico de saúde mental devido a todo esse estereótipo - nunca passou pela cabeça da minha mãe levar-me ao médico por ter problemas em dormir.
Assim, num sábado à tarde em que o céu se pintou de cinzento, a minha mãe meteu-me uma nota de 5 euros no bolso e um saco com três cuecas minhas para benzer e fui com a minha vizinha à casa da tal senhora curandeira que levava apenas o que as pessoas podiam dar. Chegamos a uma casa com a tinta desbotada e algumas ervas daninhas enfeitavam um jardim que não tinha mais de 6 metros quadrados. Subimos as escadas e fiquei à espera num Hall com azulejos pretos e brancos numa ilusão de ótica enquanto a minha vizinha falava com a senhora sobre o meu problema.
Até então a senhora comia a sua sopa com os olhos postos numa tigela fumegante e, de repente, ergueu o seu olhar na minha direção e observou-me de alto a baixo. Senti-me totalmente exposto.
- Ele que se sente ali - ordenou apontando um dedo ossudo na direção de uma cadeira de madeira encostada a um canto.
Sentei-me e esperei que ela acabasse de comer a sua sopa. De seguida a senhora levantou-se, pegou numa pequena cruz de madeira que estava pousada numa mesinha cheia de santas de barro e velas ardidas - uma espécie de altar -, e dirigiu-se a mim. De pé à minha frente e com um uma mão nas costas da cadeira onde estava sentado, com os olhos fechados e com uma voz embargada, começou por dizer:
- Palhas, alhos e alecrim. Que tudo seja assim.
Enquanto dizia a suas rezas balançava a pequena cruz para trás e para a frente numa espécie de transe. Fez o mesmo a cada cueca minha e ordenou-me que vestisse uma por dia depois de lavar bem a minha zona genital apenas com água morna e sabão rosa.
Disse à minha vizinha que eu tinha muito ar que ela eficientemente talhou, como se eu não estivesse ali para ouvir. Estendi-lhe a nota de 5 euros que a minha mãe me tinha dado para o pagamento do serviço que ela recusou dizendo que não podia tocar em dinheiro depois de ter feito tais rezas contra uma força malévola maior. Disse-me para pousar o dinheiro numa caixinha ao pé do altar improvisado dela. Saímos enquanto a senhora fechava uma porta de rua perra com força para ir à missa.
Fiz tudo direitinho como ela mandou nos dias seguintes. Os pesadelos não desapareceram. Acompanham-me ainda hoje.