2. Uma mulher separada
A minha mãe era uma mulher separada. Isto nos dias de hoje é visto como algo normal, mas nos anos 80 uma mulher separada era alguém mal vista pela sociedade, nada digna de pertencer à comunidade. As outras mulheres da aldeia mal lhe falavam ou, se porventura o fizessem, aconselhavam-na a voltar para o marido de que maneira fosse, porque uma mulher sozinha e com um filho pequeno nos braços era uma vergonha!
A minha mãe chegou muitas vezes a confessar que sofria de violência doméstica e que não queria voltar a sujeitar-se a isso.
- E tu pensas que o meu marido também não me bate? - disse-lhe certa vez a Rosa - e que vou eu fazer? Tenho que aguentar, ele é meu marido!
Entretanto a minha mãe arranjou emprego numa fábrica de calçado e deixou-me a cargo de um infantário, porque a minha avó tratava das terras e do gado e não tinha disponibilidade para tal. Obviamente que não tenho memória alguma desse tempo, todas estas palavras que vos escrevo ouvi-as da minha mãe vezes sem conta à noite perto da lareira, quando muitas vezes ela bebia para afogar as mágoas de uma vida com tantas promessas desfeitas.
Lembro-me muito vagamente que quando a minha mãe trabalhava ao sábado eu ficava com a minha avó e acompanhava-a até às vacarias onde olhava espantado para as vacas que comiam a palha que ela lhes deitava num abrir e fechar de olhos. Também me sentava perto do tanque onde ela lavava a roupa e ouvia as suas canções maravilhado:
Meu benzinho eu vou-me embora
Dar carinhos a quem me adora
Meu benzinho eu já cá estou
Dar carinhos a quem me amou
Tu danças daí, daqui canto eu
Tu és o meu par e o teu par sou eu
Continua...