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Milorde

O Milorde e o pai

Milorde, 27.12.22

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Quem conhece já um pouco da minha história sabe que os meus pais são divorciados há muitos anos e que, por conseguinte, o meu pai não foi uma figura presente na minha vida. Hoje sou um homem de 36 anos que mantém contacto com o pai, porém não existe aquela ligação que deveria existir entre pai e filho, é como se o meu pai fosse um desconhecido que por vezes vem jantar ou almoçar comigo.

Este natal, como em todos os anos, veio jantar connosco. Ficou na cabeceira da mesa e de vez em quando falava algumas coisas, dava a sua opinião, disse que a comida estava boa e que não podia abusar dos doces, ria-se de algumas graçolas que fomos contando, mas sobretudo falava com os meus cunhados sobre assuntos de trabalho, saúde e futebol. Nós os dois falamos apenas de banalidades, coisas sem interesse.

O meu pai sabe que sou homossexual, não por mim, mas pelos outros que se acham no direito de comentar a vida privada de cada um. Nunca tive uma conversa com o meu pai sobre esse assunto - nem penso que o deva fazer - e sinto que, de alguma forma, o desiludi. Quando a minha mãe lhe confirmou que sim "o nosso filho é gay assumido e tem um companheiro" a primeira reação do meu pai foi "não pode ser, o Milorde é um homem, tem que sair ao pai, macho!". Tive pena de não estar presente no dia em que ele proferiu tal coisa porque gostava de lhe perguntar se eu sou menos homem por ter uma orientação sexual diferente e talvez nesse dia houvesse um corte definitivo na nossa relação. Contudo, conforme os anos foram passando, ele mudou o seu discurso e hoje diz que "cada um sabe da sua vida" e "eu só quero que ele seja feliz". Nunca mo disse diretamente.

Por mais que ele o diga eu não acredito muito na veracidade das suas palavras. Sempre que o assunto gay surge num almoço de família ou num jantar de natal o meu pai vira a cara, mantém-se em silêncio ou até muda de assunto e isso deixa-me desconfortável. Gostava de levar o meu companheiro a esses almoços, às celebrações, mas não o faço porque "já sabes que o teu pai não gosta" e limito-me a aceitar porque não quero incomodar ninguém com alguma imposição da minha parte.

Quando estou com os amigos do meu pai eles perguntam "então e quando é que arranjas uma mulher para dar netos ao teu pai?!" e eu não sei o que responder e, quando o olho, ele está de cabeça baixa a olhar para as unhas. Ele tem vergonha e medo da minha resposta e eu lá digo "há-de chegar o dia".

O Milorde jamais irá colocar o seu pai numa situação desconfortável porque lá no fundo, por mais que diga que não existe uma ligação com ele, eu gosto dele.

O Milorde explica o diafragma

Milorde, 13.12.22

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Sábado passado foi noite de jantar de natal de um grupo de dança do qual faço parte há muitos anos. Todos reunidos numa mesa comprida, servidos de uma serie de petiscos, depois uma carne assada acompanhada de batatas e salada, regados com um bom vinho tinto, o tema de conversa foi parar ao sexo.

Falou-se sobre o preservativo e houve alguém que referiu também existir um preservativo feminino. As senhoras ficaram admiradas porque em toda a sua vida nunca ouviram tal coisa.

É o diafragma, disse eu. Um colega fez uma pesquisa no Google para mostrar uma imagem do dito cujo. As senhoras visualizaram e escandalizadas disseram que não entendiam como é que um balão daqueles entrava na sua própria vagina.

Não é assim que isso funciona - disse eu. Expliquei de forma sucinta como é que o diafragma funciona e levei todas aquelas pessoas às lágrimas de tanto rir. Tanto que sempre que surgia uma dúvida sobre o assunto, as senhoras apressavam-se a dizer que: é o Milorde que explica!

Parece que Milorde deveria abrir um consultório sexual.

O jantar

Milorde, 02.11.19

Quando finalmente entramos na mansão, o céu já escurecia. Mostrei à Condessa os seus aposentos para que pudesse descansar um pouco da viagem antes do jantar. Mandei a Maria preparar mais um quarto de hóspedes para a Pauline, a nossa convidada surpresa, que pelo que consegui apurar, é uma neta da Madame da qual não tinha conhecimento.

A mesa já estava posta com a melhor loiça, talheres e copos que consegui reunir. Tudo reluzia à luz das velas que lhe conferiam um aspeto de nobreza. Vinha um cheiro fenomenal da cozinha! Contratei um cozinheiro especializado na cozinha francesa para preparar o nosso primeiro jantar, a Maria não conseguiria dar conta de tudo sozinha, coitada já estava a fazer um esforço enorme! Tudo estava a correr bem, não havia nada que me preocupasse... até ao momento em que se ouviu um grito.

Corri desenfreadamente até ao quarto da Condessa e encontrei-a em cima de uma cadeira ainda a gritar e escondendo o rosto com as mãos. Toda a gente veio também a correr ver o que se passava.

- O que se passa, Madame? Porque gritais dessa forma?

Ela tirou uma mão da cara e apontou para um canto da parede.

- Está ali uma... uma... aranha!!

Outro grito fez-se ouvir, mas desta vez era Pauline que gritava e foi logo a correr colocar-se em cima da cama, imitando a avó.

- Tenham calma, senhoras. Eu já vou buscar uma vassoura - prontificou-se a Maria. Momentos depois estava ela a bater com a vassoura no chão para matar a tal aranha, e de cada vez que ela batia, as duas gritavam como se estivessem possuídas.

Pedi imensas desculpas às duas, assegurando-lhes que tudo estava bem limpo e desinfetado, desconhecendo totalmente de onde aquela maldita aranha surgiu. Os ânimos acalmaram um pouco depois e dirigimos-nos todos para a sala de jantar.

A Condessa Bernadette pediu como aperitivo, e também para se acalmar, um cálice de vinho do porto. Bebeu-o de um só trago o que me deixou estupefacto. Aquela senhora está bem mais habituada à bebida que eu.

- Deseja tomar outro Madame? - perguntei-lhe mais por formalidade, pensando mesmo que ela iria recusar.

- Oui, s'il vous plait - respondeu-me prontamente estendendo-me o cálice.

O jantar foi servido as 20 horas em ponto. Travessas fumegantes cheias de peru assado foram colocadas em cima da mesa, acompanhas por batatas alouradas com tomilho e terrinas de salada. Tudo estava delicioso! A conversa estava animada, a Condessa ria despudoradamente das minhas piadas secas, Pauline fazia festas ao Misha que encontrou um novo colo, enquanto o Sebastião debatia-se em comer uma coxa de peru com os talheres. Acabou por desisitir e pegou na coxa com a mão, o que lhe valeu um olhar não muito simpático da mãe.

Chegou a hora da sobremesa. A Condessa dizia estar já empanturrada e pediu apenas uma salada de fruta. Pauline pediu uma mousse au chocolat e o Sabastião imitou-a. Eu não quis comer sobremesa. Porém, sem que nada o fizesse prever, a Condessa engasgou-se com um pedaço de fruta. Começou a tossir ligeiramente, depois mais violentamente até que me vi aflito pois ela não conseguia respirar e já estava vermelha de tanto esforço.

- Batem-lhe nas costas - gritou a Maria. Mas não fui a tempo. Quando dei por ela, já ela estava atrás da Madame e deu-lhe um sopapo tão grande que a pobre mulher cuspiu a prótese dentária para o copo do vinho.

O Sebastião desatou a rir às gargalhadas. A Maria desculpou-se e eu nem sabia o que dizer. A Condessa retirou a prótese do copo, voltou a coloca-la na boca, disse estar indisposta e foi para o quarto descansar.

E assim acabou o nosso jantar.