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Milorde

Milorde ignorado

Milorde, 05.09.22

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Cada vez mais vivemos num mundo em que as pessoas não comunicam. Uma consequência bem real desta falta de comunicação é a guerra na Ucrânia em que dois homens de dois países diferentes (vizinhos, é preciso realçar) não se querem sentar a uma mesa e conversar, chegar a um acordo para que esta guerra termine de uma vez por todas. Zelensky disse que iria lutar até ao fim e o seu povo morre, sofre, perde as casas, passam fome e outras necessidades... enquanto ele é visto como um herói!

Bem, diria eu que vivemos num mundo em que as pessoas não se comunicam. Quantas vezes vejo num restaurante casais que enquanto esperam pela sua refeição estão coladas aos seus smartphones sem dizerem uma palavra um ao outro, ou então quando falam é para dizer: "repara nesta fotografia", "olha-me só para este vídeo".

E depois existem aquelas pessoas que ignoram propositadamente as outras como se fossemos transparentes.

Ontem fui fazer as minhas compras e na peixaria, aparentemente, não tinham mais douradas. Estava à espera da minha vez enquanto observava os peixes de olhos brilhantes e com a boca a fazer biquinho dispersos numa bancada cheia de gelo, tentando decidir qual escolher. À minha frente estava uma senhora de cabelos encaracolados que perguntou qualquer coisa à peixeira.

- Eu vou lá dentro ao armazém buscar uma caixa, aguarde um momento senhora.

Pensei eu que a peixeira iria buscar as douradas mas, para ter a certeza, dirigi-me à tal senhora de cabelos encaracolados e perguntei:

- Desculpe, poderia dizer-me se a peixeira foi ao armazém buscar douradas?

A senhora de cabelos encaracolados virou a cara ao lado e afastou-se de mim como se eu tivesse alguma doença contagiosa.

Não perguntei mais nada. A senhora deixou bem claro que não queria ser incomodada. A peixeira voltou e trouxe uma caixa com robalos porque a senhora de cabelos encaracolados não queria aqueles que estavam na banca.

Aprende Milorde, nem toda a gente é tão comunicativa como tu!

O dia mais feliz com o José

Milorde, 23.11.21

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O meu convidado desta semana é o José, autor dos blogues Cheia e Sociedade Perfeita. Gosto sempre de imaginar os poetas com um caderno ou um maço de folhas na mão e foi assim que vi o José entrar pelos portões adentro da minha mansão, contemplando o meu jardim para quiçá encontrar inspiração para mais um dos seus poemas, e num tom jovial deu-me um aperto de mão. Sentamo-nos no meu sofá para degustar um chá de camomila e, como não podia deixar de ser, leu-me um dos seus poemas.

Logo depois o José, perdido em memórias e pensamentos, contou-me um dos dias mais felizes da sua vida.

Sua alteza Milorde convidou-me para o seu salão, para bebermos um chá, e saber qual era o dia mais feliz da minha vida. Mas, fiquei um pouco nervoso, nunca tinha estado num cadeirão tão elegante e nobre.

Por mais que tentasse percorrer os meus muitos anos, não conseguia escolher um dia em que tivesse sido mais feliz que outro. Sempre que tentava selecionar um, outros se indignavam por serem preteridos com a escolha, porque acham que todos foram felizes. Portanto, acham que não devo escolher um, mas todos, porque todos se consideram muito felizes.

Fiz-lhes ver que assim não poderia cumprir com que me tinha sido pedido. Tivemos longas discussões, sem que conseguíssemos chegar a um acordo. Estava a ver que não conseguia sair daquele beco sem saída, até que me lembrei de lhes pedir se me deixavam escolher aquele em que despi a farda da tropa, uma vez que todos estavam de acordo que aqueles quatro anos tinham sido os piores da minha vida.

Parti um pé, com poucas semanas de recruta, faltavam poucos meses para o nascimento da minha filha mais velha. Nasceu, pouco depois de eu ter deixado as muletas (canadianas). Andei um ano a tentar livrar-me da tropa, ou ir para os auxiliares. Até que o médico disse que já chegava, mandou-me a uma junta médica, onde estava outro recruta, que parecia não ter nada, mas saiu com um papel carimbado: dizendo que estava inapto para o serviço militar.

A seguir um dos médicos agarrou no meu processo, já não me lembro se me perguntaram alguma coisa, um deles pegou noutro carimbo que dizia: apto para todo o serviço militar.

Embarquei para Angola, tinha 18 meses, ainda não falava, poucos dias depois estava com a mãe, num estabelecimento, quando entrou um soldado, e ela disse: "à pai”.

Ao fim de um ano, já não suportava as saudades delas, vim passar um mês de férias. Quando me despedi delas, a minha filha disse-me: “até logo”, naquele momento pensei: ou até nunca mais. Palavras, que me moeram o juízo, durante muitos meses!

No dia em que desembarquei, em Lisboa, já com 26 anos, em que arrumei a farda militar, para sempre, em que voltei a abraçar a minha família, depois de ter perdido os primeiros 4 anos da minha filha mais velha, foi um dia diferente.

Infelizmente, poucos dias depois, aquela felicidade foi ensombrada por um sonho, felizmente não passou de sonho: tinha sido mobilizado, novamente, para a guerra. Reagi muito mal, acordei a dizer que nunca mais iria para a guerra, porque antes matava-os, a todos.