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Milorde

O peditório

Milorde, 19.10.19

Hoje acordei bem melhor da minha constipação e com a barriga a roncar. A minha empregada doméstica não me alimentou devidamente ontem porque, segundo ela, com o meu estado febril ainda podia vomitar tudo e ela não era paga para limpar a porcaria dos outros.

Encontrei-a na cozinha a falar sozinha para a televisão. Estava a dar ordens ao ator que, com uma arma em punho, caminhava lentamente por um corredor escuro, gritando para ele não entrar por aquela porta que o outro estava lá.

- Sente-se bem Milord? - perguntou sem desviar os olhos da televisão. Respondi-lhe que sim e que estava cheio de fome. Mandei-a servir o pequeno almoço. Entretanto, no filme, os dois homens envolveram-se numa luta e Maria fazia gestos com as mãos a dar murros imaginários no ar como se ela própria estivesse envolvida na luta.

À mesa Sebastião estava entretido a ver qualquer coisa no seu smartphone que me deixou intrigado. Só se ouvia uma mulher a gritar e a dizer palavras em inglês com uma respiração ofegante.

- Está a ver algum filme de terror Sebastião? - perguntei.

Ele levantou os olhos do ecrã e olhou-me desconfiado, pensando talvez que estaria a ser irónico.

- Não é bem isso, Milord.

Maria apareceu com uma jarra de leite quente. Pousou-a na mesa e deu semelhante bofetão na cabeça do rapaz que me assustou.

- Desliga já isso seu ordinário! Sais bem ao teu pai.

Ele assim fez e continuou a tomar o seu pequeno almoço em silêncio e com um olhar carrancudo.

Entretanto bateram à porta. Mandei-os recolherem toda a comida de volta à cozinha. Fosse quem fosse Milord não ia oferecer nem uma caneca de leite com café. Dirigi-me à porta, espreitei pelo buraco da fechadura antes de a abrir, e vi que eram duas mulheres vestidas elegantemente com alguns papeis na mão. "Que estranho", pensei. Abri a porta e, educadamente, perguntei-lhes o que desejavam.

- Bons dias, senhor. Viemos fazer um peditório para as festas da aldeia vizinha. Gostaríamos muito que contribuísse.

Que despautério! Disse-lhes que antigamente pagavam-me para comparecer nas festas e que seria ultrajante que elas tivessem o descaramento de comparecer na minha humilde mansão para fazer um peditório.

- Mas senhor - interveio a outra - ainda não se deu conta de que estamos em pleno século XXI?!

Fechei-lhes a porta na cara mas ainda ouvi elas comentarem entre si que eu era um mal educado e um forreta. Era o que me faltava!

Perguntei à Maria o que seria o nosso almoço, ao que ela me respondeu prontamente que seria língua de vaca com ervilhas, acompanhado com arroz branco. Não ousei lhe perguntar onde ela conseguiu arranjar a tal língua de vaca mas, como que adivinhando os meus pensamentos, disse-me que a viu a um bom preço no talho do Sr. Constantino, que não me preocupasse que não deixou nenhuma vaca muda.

- Que nojo mãe! Odeio língua de vaca - mal Sebastião proferiu estas palavras, pumba!, outra chapada na cabeça. Não lhe disse que também eu odeio língua de vaca.

 

2 comentários

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    Milorde 21.10.2019

    Muito obrigado!
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