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Milorde

O dia mais feliz com o João

Milorde, 09.11.21

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O meu convidado desta semana é o João Silva do blogue O que não mata, engorda e transforma-te num maratonista. Como todos sabemos o João é um grande maratonista mas hoje ele está aqui bem quieto, sentado no meu sofá, a tomar um chá de Lúcia-lima para contar-me um dos dias mais felizes da sua vida.

Não estava à espera mas lá recebi um pedido especial vindo da bela (e fictícia) terra Barbalimpa. Se não for uma nova Atlântida, um dia lá irei. Gosto de famílias reais.
 
Indo ao que interessa, o pedido queria que falasse sobre o dia mais feliz da minha vida. Ora bem, mesmo uma pessoa amarga como eu tem dias felizes. Ou momentos, pelo menos. Antes de aceitar, vasculhei no meu portfólio móvel, também chamado de cérebro, não fosse não ter nada de palpável para animar o Milorde.
 
Até tinha. Primeiro, pensei no dia do nascimento do meu filho. Era óbvio e altruísta. Mas vejamos: passei o dia sem ter notícias da minha grávida, a chorar, fui proibido pela maternidade de entrar na sala de partos por causa de um desgraçado de um vírus novo que assolou o planeta e só ao fim de três dias pude ter o meu filho nos braços. Eh pá, o momento foi o melhor da minha vida, mas não estive presente nesse dia. Portanto, tinha de escolher outro: podia ser o dia em que comecei a namorar com a minha esposa ou o do nosso casamento, mas são coisas que não diferem daquelas sessões de fotos que fazemos para mostrar (aborrecer?) os nossos amigos com sentimentos e sensações muito pessoais.
 
Spoiler Alert: ninguém nos vai dizer que o nosso filho é feio ou que o destino de lua de mel que escolhemos foi uma porcaria.
 
O da minha formação académica também não suscitava interesse. Olha, sobrava um, aquele que consumou uma grande mudança na minha vida. Claro está, falo da minha primeira maratona. No Porto, em 2018. Não tivesse o meu corpo dado de si e teria feito mais uma naquela cidade há dois dias. Resumindo, aquele dia foi uma espécie de experiência fora do corpo (olha que clichê maravilhoso!). Porém, foi mesmo muito mais do que esperava.
 
Saímos de Condeixa perto das cinco da manhã com uma pessoa muito especial (o grande Zé Carlos), que nos levou ao Porto (onde também ele correu). Fomos presenteados com chuvinha da boa. Era ótima, na verdade. Caía e fazia doer, tal era a sua frieza e grandeza. Por causa do tempo, esperava pouco apoio. Mas não. Estava tão errado! Mas antes da simbiose que senti com o público, revelo que tive o prazer mágico de entrar numa casa de banho própria para este tipo de eventos. Já tinha usado uma na primeira vez em que fui a uma Queima das fitas. Tirando as bebedeiras com pernas, não havia diferenças, devo dizer. Os estados das ditas casas de banho eram similares. 
 
Portanto, narizes apurados para começar a prova. Ainda houve tempo para tirar umas fotos no palanque dos vencedores. Sim, depois disso vinham lá os etíopes ou os quenianos e queriam o pódio só para eles. Chuva, mais chuva, tanta chuva. Ainda hoje penso que alguém foi buscar a água do mar de Matosinhos, ali ao lado, para nos dar um banho. A hidratação é muito importante nas corridas.
 
Ainda antes do começo da dita prova, "rapinei" uma bandana da EDP que estava num separador físico da estrada. Mas estavam a dar aos atletas na zona de partida! Nunca tinha corrido de bandana. Parecia que ia para a guerra. E ainda hoje sei que fui. Era a minha guerra. A materialização daquilo para que trabalhei durante tanto tempo.
 
Não vos interessa que explique a evolução da prova. Digo-vos apenas que me senti nas nuvens. Nunca fumei nem consumi drogas, mas aqueles chamares da multidão nas ruas fez-me sentir lá em cima, intocável e invencível.
 
A dada altura, já pedia com os braços que viessem comigo, que me apoiassem. Precisava daquilo, daqueles incentivos, daquele impulso. E ver a minha esposa com um impermeável permeável no meio da multidão a chamar por mim aos 15 km/20 km? Nunca tinha sentido nada assim no corpo. Tive a desfaçatez de fechar os olhos, de me deixar guiar pelos gritos, pelos incentivos.
 
Quando cheguei à meta, eu sabia o que estava a sentir. Sabem aquilo que os jogadores da bola dizem, aquilo de ainda nem terem percebido o que lhes aconteceu? Não me aconteceu nada disso. Só lágrimas. Tantas! Mesmo para mim que sou uma "Maria Amélia" (porquê Maria Amélia? Não sei!). Lágrimas e dores. Nas pernas. Desgraçadas das cãibras! E também senti atordoamento, já agora. Então estavam a dar as camisolas de finisher e eu não sabia onde? E se não me dessem uma? Drama disfarçado de calma. E muita chuva. Tanta chuva. Raio da chuva!
 
Terminada a "atuação", era hora de comer para depois seguir viagem. O meu colega Zé Carlos tinha a tradição das Francesinhas depois de cada maratona no Porto. O que fiz eu? O que faço sempre... chonesices e comi um húmus de grão e uma bela salada no Vitaminas. Sim, foi assim que celebrei aquele dia mágico. Assim e com uma taçona de aveia e banana e batatas doces quando cheguei a casa.
 
Agora que penso nisso, nunca se aplicou tanto o nome de "boner killer" à minha pessoa. Sim, sou o João, o boner killer. Mas um que se tornou maratonista em novembro de 2018.
 

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