O Milorde cantante
Quando era mais novo Milorde já participou em concursos de karaoke. Os troféus que fui ganhando nesta minha pequena caminhada de artista estão dispostos nas minhas estantes com um fina camada de pó que, por vezes, vou limpando e enquanto esfrego as memórias invadem-me e trazem-me sensações que não consigo explicar corretamente, ou não fosse eu uma pessoa complicada de compreender.
Foi devido a esta minha inclinação para o canto que certo dia recebi um convite - ou uma proposta, dependendo da interpretação - do qual não estava nada à espera. Participar no grupo coral da igreja.
Estávamos no inverno, às 19 horas era noite cerrada, quando meti a chave na fechadura da porta reparei que alguém estava à minha espera na penumbra e aproximava-se de mim. Pensei em fugir a gritar por socorro, imaginei aquelas mãos grossas a agarrarem-me e a porem-me no chão nas pedras frias da calçada enquanto me debatia, com dedos hábeis revistava-me à procura de objetos de valor e eu, impotente debaixo daquele homem, nada podia fazer para o impedir.
Todos esses pensamentos desvaneceram-se, como um nevoeiro que desaparece quando o vento sopra, no momento em que o homem, educadamente, pediu para falar comigo acerca de um convite que tinha para me fazer. Quando o convite me foi feito, de uma maneira persistente tenho a dizer muito embora as minhas escusas - o senhor não poupou os elogios acerca da minha pessoa e sobre o meu conhecimento de música (algo que não concordo) -, não sabia se devia rir ou chorar.
Não aceitei o convite. E não é porque tenho uma ideia errada sobre o grupo coral ou porque quero estar afastado da igreja ou até mesmo por não achar isso fixe. Não aceitei porque percebi que não tinha qualquer competência para a responsabilidade que me foi proposta.
O Milorde prefere cantar no chuveiro e mesmo assim tem que se calar porque a mãe quer ouvir a novela!