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Milorde

Epidemia

Milorde, 31.01.20

O Sebastião também está com gripe. A Maria diz que é normal e que provavelmente todos nós cá em casa iremos ficar doentes, porque o vírus propaga-se facilmente, basta espirrar sem colocar um lenço à frente da boca. A Condessa recusa-se a aceitar isso e, para se prevenir, ontem dirigiu-se à farmácia para comprar uma máscara, e agora só a tira para comer. Quando fala comigo peço-lhe sempre que repita pois não consigo compreender nada do que diz através daquela máscara verde. Liguei ao Dr. Custódio para que ele viesse examinar o rapaz. Respondeu-me que também aderiu à greve e que ia aproveitar o dia para descansar e beber umas minis.

Uma cena!

Milorde, 28.01.20

Não sei se se recordam que o Sebastião tem uma namorada, a Carolina. Apareceu cá em casa hoje. Fui eu quem abriu a porta e dei de caras com ela que, muito timidamente, me perguntou se o Sebastião estava em casa. Disse-lhe que sim e deixei-a entrar. Que fui eu fazer... mas tinha escolha?

O Sebastião estava no quarto da Pauline, na verdade não saiu de lá durante estes dois dias, e foi para lá que a Carolina se dirigiu diretamente.

- É por causa dela que terminaste comigo, não é? - disparou ela rispidamente e perguntei-me para onde tinha ido a sua timidez.

- Ui, tás-te a passar ou quê? - ripostou ele.

- És um porco, nojento! Nunca mais te atrevas a olhar para a minha cara!

Os gritos se je ouviam por toda a casa. Depressa se juntou à cena a Condessa, que me olhou interrogativamente sem nada compreender, e a Maria que subiu os degraus dois a dois como um foguete. Foi ela que se intrometeu.

- Mas o que é que se passa aqui?

- D. Maria, o seu filho não presta! Terminou comigo sem razão e agora está aqui no quarto desta... desta... miúda francesa todo aos sorrisinhos com ela enquanto eu estou a sofrer por causa dele, que nem às minhas mensagens responde mais.

- Mãe, não é nada disso, ela está a inventar!

- Ainda te atreves a chamar-me de mentirosa?!

A Condessa tocou-me com o cotovelo e perguntou-me discretamente o que se estava a passar. Disse-lhe que o melhor era não intervir, era como se estivéssemos a assistir a uma peça de teatro. Perguntou-me o que queria que ela fizesse quando toda a razão daquela gritaria envolvia a sua neta. Encolhi os ombros sem resposta.

- D. Maria, o seu filho terminou comigo porque eu não deixei que ele me tocasse nas mamas!

- Tipo a sério, não foi nada disso! - ripostou o Sebastião.

- Cala-te Sebastião. És mesmo ordinário, sais bem ao teu pai! Ó filha não fiques assim, anda comigo que eu dou-te um copo de sumo de maracujá para te acalmares. É o que fazem nas novelas, sabias?

E as duas foram para a cozinha sem mais gritarias. Começo a pensar que aquela cozinha tem propriedades calmantes. Talvez eu precise de passar mais tempo lá também.

Depois de explicar toda a cena à Condessa, ela disse-me que a Pauline nunca iria olhar para um rapaz como o Sebastião, porque ela "tem um nível educacional muito mais avançado" que ele. Tenho as minhas dúvidas, mas nada disse.

 

A gripe

Milorde, 27.01.20

Esta manhã a Pauline disse que não passou muito bem a noite. Estava com umas profundas olheiras, bastante corada, e o cabelo mais parecia um ninho de pegas. Bebeu apenas um pouco de chá dizendo que estava sem apetite.

- Qu'est-ce qu'il y a ma chérie? - perguntou a Condessa, preocupada.

- Je me sens pas bien - respondeu ela de cabeça baixa.

Como por instinto a Maria colocou-lhe a mão na testa.

- Ela está a arder em febre!

A Condessa levantou-se e foi ela própria verificar a temperatura da testa da miúda. Disse que tínhamos que a levar ao hospital imediatamente.

- Não, não podemos! - respondeu a Maria - pode ser coronavírus!

- Corona quê? - perguntei.

- Coronavírus, senhor. A gripe chinesa! Está sempre a dar na televisão, sua senhoria. Você não sabe porque só vê as telenovelas mexicanas. Ela deve estar isolada das pessoas para não contagiar ninguém.

- Que exagero! - retorqui.

- Bem... eu já vou para a escola... xau! - disse o Sebastião e desapareceu da sala como um raio.

- Milord, eu exijo que você chame um médico para a minha neta!

Só me faltava mais esta. A Pauline fica doente e é a minha obrigação de chamar um médico? Um médico ao domicílio é bem mais caro!

O Dr. Custódio chegou cerca de meia hora depois. Após uma análise à paciente, disse para nos despreocuparmos porque não se tratava de todo do tal vírus que anda nas bocas de todo o mundo. Na verdade, ainda não há nenhum caso conhecido em Portugal, apenas uma desconfiança que acabou por ser desmentida. Prescreveu-lhe um xarope para baixar a febre e repouso.

- Vou fazer-te uma canjinha de galinha que vais logo sentir-te melhor, minha filha - disse a Maria e saiu para a cozinha.

Agradecemos ao médico e perguntei quanto lhe devia. Qual não foi o meu espanto quando vi que a Condessa lhe entregou uma nota de 50€ e disse-lhe que podia ficar com o troco. Eu nem a boca abri.

- Ai este frio, Milord! É este frio! - disse e foi sentar-se de novo na poltrona para ler o seu romance.

Passei pelo quarto da Pauline agora à pouco e o Sebastião está lá a contar-lhe as suas histórias e a fazê-la rir. Estes dois andam muito próximos...

 

Afinal... o que se passa Milord?

Milorde, 26.01.20

Afinal o mundo não acabou. Toda a gente desta aldeia chegou à conclusão de que tudo o que se lê na internet não corresponde à verdade. No entanto, há pessoas que acreditam que a tal novena realizada tenha resultado... enfim! Plebeus é o que digo.

A Condessa tem-se queixado do frio a todo o instante. Pelos noticiários a que assistimos parece que o frio se instalou em toda a Europa, o que é normal, estamos no inverno. Disse-me que se arrependeu em ter escolhido Portugal continental para passar esta época, deveria sim ter ido para a sua mansão na Madeira. Tenho insistido para que vá mas ela diz que não está de boa saúde para fazer mais uma viagem e que, se não me importo, irá passar mais uns meses por cá. Que mal fiz eu a Deus para merecer isto?

Por isso estes relatos/desabafos que vos escrevo aqui, têm sido poucos ao longo destes meses. A Maria não consegue fazer tudo sozinha, então tento ajuda-la no que posso, mas a mulher anda tão stressada que berra comigo dizendo a toda a hora que "não é assim que se faz"! Meus amigos, nunca me passou pela cabeça que a roupa branca deve ser lavada separadamente da roupa de cor. O Sebastião queixa-se que algumas das suas roupas tornaram-se cor-de-rosa e que ele tem vergonha de as usar, porque os seus amigos dizem que isso é coisa de bicha.

Andamos todos com os nervos em franja para agradar as madames que não mexem uma palha.

 

Prometo dedicar-me com mais atenção a isto. Desde já as minhas desculpas.